sexta-feira, 5 de junho de 2009

COMO LIDAMOS COM A ARTE DE VER


Inspirada no texto "A complicada arte de ver" de Rubem Alves, resolvi escrever o meu pensamento a respeito:

"Os Olhos são as janelas da alma". Desde muito jovem, já ouvia essa expressão e passei a acreditar piamente nessa afirmação.

A forma de vemos as coisa, são reflexos de como se encontra nosso interior, nossa alma, nosso chamado estado de espírito. Tanto é, que as vezes, havendo visto algo por várias vezes, de repente, ao contemplarmos novamente, parecemos deslumbrados, e enxergamos ou descobrimos belezas antes não vistas .Ou pelo contrário, o que nos parecia belo, só conseguimos vislumbrar o seu avesso.

A depender do nosso estado de alma naquele momento, os nossos olhos estarão doentes ou sãos; verão beleza ou deformidade; alegria ou tristeza; amor ou ódio; acolhimento ou rejeição; pureza ou impureza; luz ou treva, fidelidade ou traição; perdão ou vingança; justiça ou injustiça, satisfação ou revolta.

E aí? O que podemos fazer para enxergar só o positivo das coisas e das pessoas? O que sentimos ou enxergamos dependem de nós?

É um grande desafio, mas, inegavelmente, depende de como nos dispomos a encarar cada desafio e se estamos decididos a enfrentá-los.
O Poeta sempre o belo; o artesão enxerga o resultado,antes de ver concluida a sua obra; o cantor se alegra e contagia as pessoas; o pessimista se entristece e contagia com a sua tristeza; o bombeiro, na tragédia, enxerga salvação e vida; o mendigo moedas que caem em sua mão; os que nada tem, vêem a possibilidade de adquirir; o surdo o milagre de poder ouvir; o cego a possibilidade de ver; o enfermo a cura; o que ama beleza em tudo!

E nós que possuímos tudo, o que temos visto?

Há muitos que só conseguem aquilo que não possuem e passam por cima de qualquer um, para obter mais e mais e satisfazer suas ambições. Esses são os ambiciosos inconformados. Nada contra serem ambiciosos, mas inconformados, tudo contra.

Temos que lutar contra a tendência de ver só o que queremos enxergar, limpando bem as lentes dos nosso olhos que, de tão sujas, só enxergam sujeiras ou de tão complacentes não enxergam os nossos defeitos para corrigi-los.

Jesus disse: " No mundo tereis aflição, mas tende bom ânimo. Eu venci o mundo".

Vamos enfrentar esse desafio?

Zetinha
( Marizete Lacerda)

Essa postagem a baixo, é mais um texto extraído do site http://www.releitura.com/


A COMPLICADA ARTE DE VER
Rubem Alves

Ela entrou, deitou-se no divã e disse: "Acho que estou ficando louca". Eu fiquei em silêncio aguardando que ela me revelasse os sinais da sua loucura. "Um dos meus prazeres é cozinhar. Vou para a cozinha, corto as cebolas, os tomates, os pimentões - é uma alegria! Entretanto, faz uns dias, eu fui para a cozinha para fazer aquilo que já fizera centenas de vezes: cortar cebolas. Ato banal sem surpresas. Mas, cortada a cebola, eu olhei para ela e tive um susto. Percebi que nunca havia visto uma cebola. Aqueles anéis perfeitamente ajustados, a luz se refletindo neles: tive a impressão de estar vendo a rosácea de um vitral de catedral gótica. De repente, a cebola, de objeto a ser comido, se transformou em obra de arte para ser vista! E o pior é que o mesmo aconteceu quando cortei os tomates, os pimentões... Agora, tudo o que vejo me causa espanto.

"Ela se calou, esperando o meu diagnóstico. Eu me levantei, fui à estante de livros e de lá retirei as "Odes Elementales", de Pablo Neruda. Procurei a "Ode à Cebola" e lhe disse: "Essa perturbação ocular que a acometeu é comum entre os poetas. Veja o que Neruda disse de uma cebola igual àquela que lhe causou assombro: 'Rosa de água com escamas de cristal'. Não, você não está louca. Você ganhou olhos de poeta... Os poetas ensinam a ver".

Ver é muito complicado. Isso é estranho porque os olhos, de todos os órgãos dos sentidos, são os de mais fácil compreensão científica. A sua física é idêntica à física óptica de uma máquina fotográfica: o objeto do lado de fora aparece refletido do lado de dentro. Mas existe algo na visão que não pertence à física.

William Blake sabia disso e afirmou: "A árvore que o sábio vê não é a mesma árvore que o tolo vê". Sei disso por experiência própria. Quando vejo os ipês floridos, sinto-me como Moisés diante da sarça ardente: ali está uma epifania do sagrado. Mas uma mulher que vivia perto da minha casa decretou a morte de um ipê que florescia à frente de sua casa porque ele sujava o chão, dava muito trabalho para a sua vassoura. Seus olhos não viam a beleza. Só viam o lixo.Adélia Prado disse: "Deus de vez em quando me tira a poesia. Olho para uma pedra e vejo uma pedra".Drummond viu uma pedra e não viu uma pedra. A pedra que ele viu virou poema.

Há muitas pessoas de visão perfeita que nada vêem. "Não é bastante não ser cego para ver as árvores e as flores. Não basta abrir a janela para ver os campos e os rios", escreveu Alberto Caeiro, heterônimo de Fernando Pessoa. O ato de ver não é coisa natural. Precisa ser aprendido. Nietzsche sabia disso e afirmou que a primeira tarefa da educação é ensinar a ver. O zen-budismo concorda, e toda a sua espiritualidade é uma busca da experiência chamada "satori", a abertura do "terceiro olho". Não sei se Cummings se inspirava no zen-budismo, mas o fato é que escreveu: "Agora os ouvidos dos meus ouvidos acordaram e agora os olhos dos meus olhos se abriram".

Há um poema no Novo Testamento que relata a caminhada de dois discípulos na companhia de Jesus ressuscitado. Mas eles não o reconheciam. Reconheceram-no subitamente: ao partir do pão, "seus olhos se abriram". Vinicius de Moraes adota o mesmo mote em "Operário em Construção":

"De forma que, certo dia, à mesa ao cortar o pão, o operário foi tomado de uma súbita emoção, ao constatar assombrado que tudo naquela mesa - garrafa, prato, facão - era ele quem fazia. Ele, um humilde operário, um operário em construção".A diferença se encontra no lugar onde os olhos são guardados. Se os olhos estão na caixa de ferramentas, eles são apenas ferramentas que usamos por sua função prática. Com eles vemos objetos, sinais luminosos, nomes de ruas - e ajustamos a nossa ação. O ver se subordina ao fazer. Isso é necessário. Mas é muito pobre. Os olhos não gozam... Mas, quando os olhos estão na caixa dos brinquedos, eles se transformam em órgãos de prazer: brincam com o que vêem, olham pelo prazer de olhar, querem fazer amor com o mundo.

Os olhos que moram na caixa de ferramentas são os olhos dos adultos. Os olhos que moram na caixa dos brinquedos, das crianças. Para ter olhos brincalhões, é preciso ter as crianças por nossas mestras. Alberto Caeiro disse haver aprendido a arte de ver com um menininho, Jesus Cristo fugido do céu, tornado outra vez criança, eternamente: "A mim, ensinou-me tudo. Ensinou-me a olhar para as coisas. Aponta-me todas as coisas que há nas flores. Mostra-me como as pedras são engraçadas quando a gente as têm na mão e olha devagar para elas".

Por isso - porque eu acho que a primeira função da educação é ensinar a ver - eu gostaria de sugerir que se criasse um novo tipo de professor, um professor que nada teria a ensinar, mas que se dedicaria a apontar os assombros que crescem nos desvãos da banalidade cotidiana. Como o Jesus menino do poema de Caeiro. Sua missão seria partejar "olhos vagabundos"...

O texto acima foi extraído

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